Juíza do Trabalho diz que vagas de trainee exclusivas para negros do Magazine Luiza é â??discriminação inadmissívelâ??

Publicado em: 19/09/2020

                                           Foto: Felipe Raul/Estadão

 

A juíza do Trabalho Ana Luiza Fischer Teixeira de Souza Mendonça afirmou em seu perfil no Twitter que o programa de trainee 2021 do Magazine Luiza, que aceitará apenas candidatos negros, é inadmissível.

“Discriminação na contratação em razão da cor da pele: inadmissível”, escreveu ela na rede social.

“Na minha Constituição, isso ainda é proibido”, afirmou a juíza ao responder um comentário feito na publicação.

Publicado na manhã deste sábado (19), o tuíte acumulava cerca de 500 curtidas às 15h. Por volta das 16h, a juíza apagou o tuíte e fechou sua conta no Twitter, restringindo o acesso apenas a seguidores.

Antes, ela havia compartilhado uma postagem sobre o programa de trainee que questionava: “E esse racismo, é do bem?”. A publicação, do deputado federal Paulo Eduardo Martins (PSC-PR), trazia a notícia sobre a iniciativa do Magazine Luiza.

Fischer é juíza no TRT-3 (Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais). Ela integrou a comissão de redação da reforma trabalhista do governo Michel Temer (MDB).

Atualmente, é uma das coordenadoras do Gaet (Grupo de Altos Estudos do Trabalho), do Ministério da Economia. A comissão elabora desde o ano passado uma revisão nas leis do trabalho.

Ao lado do ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, ex-presidente do TST (Tribunal Superior do Trabalho), Fischer é coordenadora-adjunta do grupo Direito do Trabalho e Segurança Jurídica.

Procurada, a juíza não havia se pronunciado até a publicação desta reportagem.

Em seu perfil no Twitter, Ana Luiza diz que é “aquela que gosta do art. 5º”. Esse artigo da Constituição afirma que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

O colunista da Folha Thiago Amparo também criticou a magistrada, em seu perfil no microblog:

“Data venia, juíza não parece conhecer que 1) art. 39, do Estatuto de Igualdade Racial permite ação afirmativa em empresas; 2) o próprio MPT incentiva tais políticas; 3) os diversos casos em que o STF leu a Constituição como permitindo ação afirmativa”.

Outros perfis também criticaram a postura da magistrada.

“Puxa vida, que absurdo haver ações afirmativas num país genuinamente racista, cujos passado e presente são de genocídio do negro brasileiro, que ganha menos e morre mais. É realmente inadmissível, todos somos iguais. Tenho até amigos pretos empregados, não precisa disso”, escreveu o perfil @NatanCafe.

“Vamos voltar no tempo, escravizar sua raça sistematicamente por gerações, depois pregar sobre a inferioridade da cor da sua pele séculos, para finalmente te inserir num local subalterno de guetos e subempregos. Aí você pode comentar isso sem parecer uma patricinha alienada”, escreveu @Rvfk5

Outros, no entanto, concordaram com ela. “O problema é o precedente que se abre. Existem maneiras de combater a desigualdade racial e discriminação, sem precisar abrir um precedente de… Segregação”, afirmou @SamLimaContador.

“A senhora está certíssima. Não compro mais na @magazineluiza e na @Ambev por elas estarem executando práticas discriminatórias de seleção”, escreveu @EUGNIODANTAS3.

Na sexta-feira (18), o Magazine Luiza anunciou a abertura das inscrições para o programa que seria voltado apenas para negros.

“O objetivo do Magalu com o programa é trazer mais diversidade racial para os cargos de liderança da companhia, recrutando universitários e recém-formados de todo Brasil, no início da vida profissional”, informou a empresa, em comunicado.

Atualmente, o Magazine Luiza tem em seu quadro de funcionários 53% de pretos e pardos. Mas apenas 16% deles ocupam cargos de liderança.

Segundo a empresa, o programa de trainees lançado nesta sexta-feira é o primeiro exclusivo para negros do Brasil. Ele foi desenvolvido em parceria com as consultorias Indique Uma Preta e Goldenberg, Instituto Identidades do Brasil, Faculdade Zumbi dos Palmares e Comitê de Igualdade Racial do Mulheres do Brasil.

Conforme reportagem publicada pela Folha nesta semana, um homem branco chega a ganhar em média quase 160% a mais do que uma mulher negra, mesmo quando ambos são formados em universidades públicas ou dentro de uma mesma profissão.

Segundo pesquisadores do Insper, isso revela a discriminação contra negros e mulheres no acesso a empregos bem remunerados ou a posições de destaque dentro das empresas

A empresa disse que não comentaria o caso, mas afirmou que fez uma extensiva análise jurídica para o programa.

Um dia depois do Magazine Luiza, a Bayer anunciou, neste sábado, que também terá um programa de trainees exclusivo para negros. A partir da segunda-feira (21), o programa de trainee 2021 estará com as incrições abertas para o processo seletivo e serão elegíveis profissionais negros graduados ou pós graduados entre dezembro de 2017 e dezembro de 2020.

As vagas não exigem conhecimento de inglês e estão disponíveis para todos os cursos de graduação. O salário será de R$ 6.900 por mês.

A empresa também lançará ainda neste mês um programa de mentoria para negros, voltado para profissionais que já atuam na companhia. “Nessa primeira fase, a iniciativa vai oferecer mentoring de carreira para 16 estagiários e analistas, ao longo de três meses”, afirmou em comunicado.

 

FolhaPress

 




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